No emblemático dia 21 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão que reverberará profundamente na proteção dos direitos indígenas no Brasil. A maioria da corte rejeitou a tese do “marco temporal,” que limitava a demarcação de terras indígenas apenas às áreas ocupadas em 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada.
A decisão representa uma vitória para o movimento indígena, pois impede um retrocesso significativo. No entanto, ela não sinaliza o fim das ameaças aos territórios indígenas, uma vez que o Congresso ainda pode legislar sobre o tema.
Kléber Karipuna, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), celebrou a decisão: “A rejeição do marco temporal pelo Supremo é uma grande vitória.” Mas ele também destacou que a bancada ruralista persiste em buscar a aprovação da tese de marco temporal no Congresso.
Com um placar de 7 votos a 2, a Corte decidiu que o direito dos povos indígenas a territórios tradicionalmente ocupados não depende da presença contínua dos indígenas no local antes de 1988. Essa decisão reconhece que muitos territórios indígenas, embora ocupados tradicionalmente, não estavam sob o controle das comunidades indígenas ou em disputa na data da promulgação da Constituição, mas foram reocupados por essas comunidades nos anos seguintes.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, não há um “marco temporal fixo e inexorável” para a ocupação de territórios indígenas. Ele destacou que a ocupação tradicional pode ser demonstrada por meio de diversos mecanismos, incluindo a persistência na reivindicação da área.
Apesar da vitória, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor do marco temporal, argumentando que ele cria segurança jurídica para as demarcações. A questão da segurança jurídica é central no debate sobre os direitos indígenas.
A rejeição do marco temporal ocorreu no contexto de uma disputa entre o povo Xokleng e o Estado de Santa Catarina, mas tem implicações para cerca de 300 processos de demarcação em andamento. “O alcance da decisão vai muito além do caso concreto,” enfatizou o ministro Dias Toffoli.
Embora essa decisão seja um marco importante, os desafios persistem. O Congresso Nacional tem um projeto de lei que busca estabelecer o marco temporal por meio da legislação, algo que preocupa profundamente os povos indígenas. Uma lei comum não pode substituir os direitos garantidos na Constituição, e é provável que essa questão seja levada de volta ao STF se o Congresso aprovar tal lei.
Além disso, ainda há uma questão pendente: a possibilidade de indenização para não-indígenas que ocupam terras que venham a ser demarcadas. Esta questão divide os ministros e pode afetar significativamente as demarcações futuras.