Reverter a Queda na Adesão às Vacinas Requer Ação dos Municípios
A vacinação de crianças e adolescentes no Brasil experimentou uma notável redução, contrariando décadas de sucesso do Plano Nacional de Imunizações (PNI) na proteção desse público. Esse declínio teve início em 2015, acentuando-se durante a pandemia de covid-19, que desencadeou uma maior hesitação em relação às vacinas. Até os dias atuais, as coberturas de doenças como sarampo e poliomielite permanecem abaixo dos níveis ideais.
Inverter essa tendência exige a implementação de políticas públicas na área de saúde, coordenadas por diversos níveis de governo. Entretanto, a primeira linha de ação recai sobre os gestores municipais. Esses profissionais desempenham um papel crucial, uma vez que estão diretamente envolvidos na prestação de serviços nos postos de saúde, e são capazes de identificar as barreiras que impedem a vacinação das crianças.
Este artigo analisará o papel dos municípios na vacinação infantil e descreverá a rotina da política de saúde local, com base em conversas com gestores que atuam em secretarias de diferentes cidades do Brasil. Além disso, apresentaremos os desafios enfrentados por esses profissionais e destacaremos exemplos bem-sucedidos de ações na área.
O Papel dos Municípios no Sistema Único de Saúde (SUS)
A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite, distribuindo responsabilidades entre três esferas de governo: União, estados e municípios. Cada uma dessas esferas é autônoma em suas atividades e tomadas de decisão. Esse modelo foi concebido para garantir maior qualidade, controle e fiscalização pela população.
A nível federal, o Ministério da Saúde formula políticas nacionais, estabelece normas e repassa recursos para as esferas locais do governo. Os estados desenvolvem suas próprias políticas de saúde, repassam recursos e organizam os serviços de saúde em seus territórios. Já os municípios, com base nos repasses, executam ações e serviços de saúde, além de elaborar suas próprias estratégias.
No contexto da vacinação, isso implica que os municípios são os principais responsáveis pelo atendimento direto à população. Após receberem as vacinas da esfera federal ou estadual, as secretarias municipais realizam campanhas nos postos de saúde, seguindo as orientações do Ministério da Saúde. Além disso, registram dados essenciais para a formulação de políticas públicas.
Estudos de Caso
Baturité: Monitoramento e Busca Ativa
Sayonara Cidade, secretária de Saúde de Baturité (CE), assumiu o cargo em 2022 quando a cobertura vacinal no município estava em média de apenas 37% para todas as doenças, muito abaixo das metas recomendadas, como no caso do sarampo, que tem uma meta de vacinação de 95%. A situação era agravada pelo fato de que alguns adultos na cidade nunca haviam recebido vacinas desde a infância.
A queda nas taxas de vacinação em Baturité estava mais relacionada à falta de conhecimento sobre as campanhas e à falta de tempo para ir aos postos de saúde, em vez de hesitação ou desconfiança em relação às vacinas. Foi através do monitoramento ativo que a secretaria de saúde identificou esses problemas, permitindo a realização de buscas ativas para alcançar quem não havia comparecido aos postos de vacinação. O trabalho conjunto com o UNICEF resultou em um aumento significativo nas taxas de vacinação em Baturité, com 95% das crianças vacinadas contra a poliomielite em 2022.
Barcarena: Ações Contra a Hesitação
Em Barcarena (PA), o desafio é diferente, com uma parte da população demonstrando resistência às vacinas. O município implementou uma série de ações para aproximar o poder público da população, incluindo a realização de campanhas de vacinação itinerantes em toda a cidade e vacinação domiciliar, quando necessário.
Um comitê gestor foi formado em 2021 para avaliar a vacinação na cidade e envolveu técnicos de diferentes departamentos da secretaria de saúde, além de membros das secretarias de Educação e Assistência Social. A ênfase foi dada às vacinas infantis pentavalente e VIP, e ambas aumentaram suas coberturas na cidade. Em 2023, o projeto foi premiado no ImunizaSUS, iniciativa do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde que reconhece boas práticas de imunização.
Desafios Futuros
Com os resultados positivos alcançados, o próximo desafio para os gestores municipais é manter o comitê gestor e incluir novas vacinas em suas campanhas. Além disso, é necessário aumentar a divulgação das campanhas, tanto por meio das redes sociais como em espaços de grande circulação, como feiras e mercados. Garantir que os registros de vacinação sejam feitos de forma adequada e capacitar equipes para o letramento digital também se tornam desafios tecnológicos a serem superados.
O sucesso das ações de imunização em Baturité inspirou o governo do estado do Ceará a firmar parceria com o UNICEF para expandir essas medidas para todos os municípios. A gestão municipal é fundamental para conscientizar a população sobre a importância da vacinação e garantir que as próximas gerações não enfrentem doenças que podem ser prevenidas por meio das vacinas.
Este trabalho é uma demonstração clara de que a vacinação é eficaz e essencial para a saúde pública, e seu sucesso depende do comprometimento dos gestores municipais e do apoio da comunidade.