Na sombra do imponente Rio São Francisco, as terras indígenas Kariri-Xocó, em Alagoas, tornam-se palco de uma controvérsia que mistura interesses políticos, ambientais e herança familiar. Arthur Lira, presidente da Câmara e proeminente político alagoano, vê-se envolvido em uma intricada trama que desvenda as conexões de sua família com a destruição de uma mata sagrada.
Em uma declaração polêmica durante sua participação no programa Roda Viva em junho de 2023, Arthur Lira expressou uma visão colonialista sobre os povos indígenas, defendendo a ideia de que não precisam de mais terras, mas sim de estrutura para explorar o que já possuem. Uma declaração que, menos de um mês depois, antecedeu a submissão do projeto de lei do Marco Temporal, gerando debates acirrados.
O que permaneceu obscurecido à época é a ligação pessoal de Arthur Lira com a oposição aos direitos indígenas. Em São Brás (AL), nas margens do São Francisco, a família do presidente da Câmara possui vastas propriedades que coincidem com a área de reestudo da Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada por Lula em 2023.
O patriarca Adelmo Pereira, primo da mãe de Arthur Lira, antes de sua morte em 2016, foi multado por destruir parte de uma mata sagrada para os Kariri-Xocó. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) registrou as infrações, mas a empresa administradora de seus bens, a ADM, mantém controle sobre as fazendas sobrepostas à terra indígena.
O dossiê “Arthur, o Fazendeiro”, revelado pelo De Olho nos Ruralistas em parceria com o ICL Notícias, desvela não apenas a extensão do império agropecuário construído pelos clãs Lira e Pereira, mas também a utilização da máquina pública em benefício desses negócios, incluindo a comercialização de carne oriunda de terras indígenas.
O Marco Temporal, que ameaça a TI Kariri-Xocó, enfrenta resistência no Supremo Tribunal Federal (STF). A tese, vetada por Lula, considera ilegítimas demarcações de terras ocupadas após a promulgação da Constituição em 1988, mesmo quando os indígenas foram forçados a se deslocar.
Em uma jornada pela região desmatada, liderada pelo cacique Nadinho, é possível vislumbrar a degradação provocada pelos fazendeiros. A área, sagrada para os Kariri-Xocó, é crucial para rituais e preservação cultural. A esperança de reflorestar essas terras, uma vez desintrusadas, é expressa pelo pajé Julio Queiróz Suíra e pelo cacique Cícero Suíra.
Assinado por Lula em 2023, o decreto de homologação, por si só, não garante aos Kariri-Xocó o usufruto da terra. Mais de uma centena de ocupantes não indígenas aguardam remoção e indenização, sendo os Pereira responsáveis por mais de 40% da área sujeita à desintrusão.
A família Pereira, aliada politicamente a Arthur Lira, mantém controle sobre a região. A intricada teia que liga interesses políticos, ambientais e familiares, revelada neste dossiê, lança luz sobre as controvérsias que permeiam as terras indígenas Kariri-Xocó.