Em um Brasil onde a saúde e a busca por inovações na área médica são temas constantes, uma nota técnica recente da Oxfam Brasil e da Fiocruz Amazônia faz soar os alarmes. Sob o título “Capacidade de Produção de Vacinas no Brasil,” o relatório, divulgado nesta quarta-feira (25), revela que o país está despreparado para enfrentar eventuais novas pandemias devido à falta de investimentos no setor industrial que fornece insumos essenciais para a área de saúde.
Segundo a publicação, o Complexo Econômico Industrial da Saúde (Ceis) enfrenta um significativo “gargalo” de investimentos, comprometendo, sobretudo, a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS). Este sistema atende direta ou indiretamente cerca de 190 milhões de brasileiros anualmente, de acordo com o Ministério da Saúde.
O Ceis abrange setores industriais fundamentais, como química e biotecnologia (produção de fármacos, medicamentos, imunobiológicos, vacinas, hemoderivados e reagentes), além de mecânica, eletrônica e materiais (equipamentos mecânicos, eletrônicos, próteses, órteses e materiais).
Hoje, o país enfrenta um cenário no qual 90% dos insumos para a produção de medicamentos e vacinas são importados. Quanto aos equipamentos médicos, metade deles é proveniente do exterior. No caso dos medicamentos finais, a dependência externa chega a 60%. Além disso, o Brasil conta com apenas 15 fábricas produtoras de ingrediente farmacêutico ativo (IFA), essencial para a fabricação de vacinas. Em comparação, na China, esse número ultrapassa mil.
O relatório também destaca os posicionamentos de importantes entidades de classe. Norberto Prestes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), enfatiza a necessidade de “discutir um plano estratégico, semelhante ao que foi feito com fertilizantes. A indústria de base química para fertilizantes e agrotóxicos é a mesma que a dos medicamentos”.
Paulo Henrique Fraccaro, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), sonha em seguir o exemplo de 20 anos atrás, quando o governo federal implementou a legislação dos medicamentos genéricos, em conformidade com as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa iniciativa possibilitou a criação de fontes de financiamento e incentivos para pequenas empresas farmacêuticas nacionais, que na época representavam apenas 12% do mercado. Hoje, cinco das oito maiores empresas farmacêuticas do Brasil são nacionais.
Diante deste panorama desafiador, a Oxfam propõe duas abordagens: investimentos em ciência a nível nacional e cooperação internacional entre os países da América Latina. A nota técnica destaca que “os desafios estruturais e doenças que afetam a região não interessam às empresas dos países do Norte global. Casos como a doença de Chagas, a dengue, a malária e a tuberculose não são prioridades para esses laboratórios. Além disso, os países da região compartilham o objetivo de preservar os recursos ambientais e a biodiversidade local.”
Atualmente, a produção de vacinas na América Latina está restrita a apenas três países: México, Brasil e Argentina. Embora o complexo industrial de saúde brasileiro seja o maior, ainda não consegue atender plenamente à demanda nacional. Em abril deste ano, o governo federal recriou o Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis), com a missão de estabelecer metas para que a produção brasileira atenda a 70% da demanda interna em até 10 anos. É importante destacar que o grupo havia sido extinto em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).