Fuga de Talentos Brasileiros em Inteligência Artificial Desafia o País

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No âmbito da inteligência artificial (IA), o Brasil brilha quando se trata de “talentos”. Entretanto, uma parcela considerável dos melhores profissionais do país está hoje a serviço de empresas e governos estrangeiros.

“O cenário assemelha-se ao de nações como a Índia,” observa o historiador Joe White, cientista de dados da Tortoise, um grupo de mídia britânico, em uma entrevista à BBC News Brasil. “Nossa pesquisa aponta para o fato de que o talento gerado em um país frequentemente não permanece. Há uma fuga de cérebros, com a diáspora em direção a nações mais ricas.”

Essas são as conclusões do The Global AI Index, uma pesquisa coordenada por White e sua colega Serena Cesareo, também cientista de dados da Tortoise. O estudo avalia o cenário de 62 países no campo da inteligência artificial, com foco em três pilares fundamentais: investimento, inovação e implementação. O Brasil ocupa uma posição intermediária no ranking, situando-se em 35º lugar.

Os tópicos do ranking são desmembrados em sete categorias, cada uma relacionada a um dos três pilares: talento, infraestrutura e ambiente de operações (investimento); pesquisa e desenvolvimento (inovação); estratégia governamental e comércio (implementação).

“Nossa principal fonte de dados para identificar talentos locais foi o LinkedIn”, explica Serena Cesareo. “Ficou evidente que o Brasil possui um grande número de profissionais nesse campo, tanto em números absolutos quanto em relação ao tamanho da população.”

O The Global AI Index se destaca por ser a primeira pesquisa de escopo global a analisar o panorama dessa tecnologia de maneira tão abrangente. Criado em 2019, o estudo já está em sua quarta edição. Em todas elas, os Estados Unidos lideram o ranking, seguidos pela China.

Apesar de ocupar a 35ª posição no ranking global, o Brasil se destaca na categoria “talentos,” ocupando o 21º lugar, à frente de nações como Áustria, Bélgica, Portugal e Rússia, todas elas melhor posicionadas no ranking geral. O país se encontra logo atrás da China, que ocupa a 20ª posição nesse tópico.

“Ao analisarmos um profissional brasileiro que se forma no país, mas trabalha para o escritório local da Microsoft, uma empresa norte-americana, o consideramos um talento brasileiro”, explica Joe White, da Tortoise. “No entanto, ele não contribui para o mercado nacional de IA, mas sim para o dos Estados Unidos.”

A comparação com a Índia, mencionada por White, fica evidente nos números. Enquanto os indianos ocupam uma respeitável segunda posição na categoria “talentos”, estão em 14º lugar no ranking geral.

Isso se deve a desempenhos menos favoráveis da Índia em outros aspectos. Por exemplo, em “infraestrutura,” o país figura na 59ª colocação. Além disso, a Índia enfrenta desafios em “estratégia governamental” (38ª) e “pesquisa” (30ª).

No caso do Brasil, ocupando o 21º lugar em “talentos,” os dados do estudo apontam para carências em “estratégia governamental,” com o país na 30ª posição, assim como em indicadores diretamente afetados por ações do Estado, como “pesquisa” e “desenvolvimento” (36º em ambos os aspectos). “Todo esse cenário está relacionado à fuga de talentos do país,” resume Joe White.

Talentos Perdidos e o Desafio do Brasil

Com 31 anos de idade e um doutorado concluído em 2021 na Universidade de Princeton, Talmo Pereira, originário de Campinas (SP), rapidamente ascendeu a uma posição cobiçada no cenário acadêmico: líder de seu próprio laboratório.

No entanto, essa conquista foi realizada a quase 10 mil quilômetros de sua cidade natal, no Salk Institute for Biological Studies, em San Diego, Califórnia, Estados Unidos. Lá, ele lidera uma equipe de 14 pesquisadores dedicados ao uso de aprendizado profundo e ferramentas computacionais para investigar padrões biológicos em animais e seres humanos.

De forma simplificada, o neurocientista brasileiro utiliza a inteligência artificial para examinar padrões biológicos em animais e humanos, como prever movimentos de animais, rastrear comportamentos diante de obras de arte em parceria com um museu de Los Angeles e até mesmo colaborar com a NASA.

Talmo Pereira é um exemplo de talento brasileiro que migrou para o exterior e, no ranking do The Global AI Index, seus feitos contribuem para os Estados Unidos, não para o Brasil. Para ele, o Brasil enfrenta desafios socioeconômicos e culturais que afetam as ambições de uma carreira acadêmica no país.

No entanto, o Brasil ainda possui talentos que optam por permanecer no país. O economista Alexandre Chiavegatto, professor de aprendizado de máquinas na Universidade de São Paulo (USP), compartilha sua perspectiva. “As empresas não valorizam tanto quanto deveriam. O governo se preocupa mais com regulamentações do que com desenvolvimento.”

Chiavegatto, que fez toda a sua formação acadêmica na USP e posteriormente fez um pós-doutorado em Harvard, decidiu permanecer no Brasil, onde lidera o Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde da USP. Seu time de trinta pesquisadores utiliza inteligência artificial para desenvolver algoritmos capazes de prever e combater doenças.

Apesar disso, Chiavegatto observa que seus melhores alunos frequentemente são recrutados por instituições estrangeiras, principalmente nos Estados Unidos, líder global no campo da IA.

Outro exemplo é Helena Schuch, que colaborou em pesquisas com Chiavegatto na USP e agora é pesquisadora na Harvard School of Dental Medicine, usando IA para prever problemas dentais em pacientes, especialmente aqueles de camadas mais vulneráveis da sociedade.

O cientista da computação Paulo Carvalho, líder do laboratório de proteômica da Fiocruz, também identifica a fuga de talentos brasileiros. Segundo ele, a maioria dos estudantes de mestrado e doutorado que passaram por seu laboratório acabaram encontrando oportunidades em instituições estrangeiras.

Apesar dos desafios enfrentados pelo Brasil, o país tem demonstrado progresso no ranking do The Global AI Index. Nas edições anteriores, o Brasil ocupava a 46ª posição em 2020 e avançou para a 39ª em 2021. Na última edição, em 2022, o país alcançou o 35º lugar.

Embora os profissionais brasileiros se destaquem no indicador de “talentos”, a fuga de cérebros ainda é um obstáculo significativo. Em um mercado que movimenta anualmente cerca de US$ 150 bilhões, com expectativa de crescimento para quase US$ 1,4 trilhão em 2030, a retenção de talentos é fundamental para o futuro da inteligência artificial no Brasil.

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