Grupos Neopentecostais Brasileiros Defendem Expansão Territorial de Israel

0
57

Longe de ser um grupo monolítico, os evangélicos no Brasil apresentam diversidade teológica, cultural e social.

Na terça-feira (17), a Câmara dos Deputados em Brasília tornou-se palco de debates acalorados que quase desencadearam confrontos físicos entre congressistas. A intervenção da Polícia Legislativa foi necessária para conter a situação, mas os ânimos permaneceram exaltados, com deputados trocando insultos e acusações que lembravam crises nacionais do passado, como o julgamento que resultou no impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Entretanto, o motivo da discussão estava relacionado a questões mais distantes: os deputados debatiam a postura do Brasil diante dos recentes conflitos entre Palestina e Israel. As divergências iam desde a definição do grupo Hamas até o papel do país como presidente rotativo do Conselho de Segurança da ONU.

A entrada das discussões sobre o Oriente Médio, em especial a Palestina e Israel, na política doméstica brasileira é um fenômeno relativamente recente. No entanto, compreender por que nações e populações tão distantes se tornaram símbolos de organizações políticas no cenário nacional é crucial para entender as mudanças na política brasileira, o aumento do conservadorismo e as interações entre grupos religiosos e o poder político.

O Brasil entre Teerã e Tel Aviv

O Brasil tem laços históricos com o Oriente Médio, com fluxos migratórios significativos desde o século XIX. No passado, as discussões sobre nações da região estavam principalmente circunscritas a círculos diplomáticos. Durante a Guerra Fria, o Brasil manteve relações abrangentes com a região, principalmente no campo econômico, além de enviar observadores militares em momentos de crise, como no Canal de Suez.

Grupos progressistas no Brasil também estabeleceram laços próximos com o movimento palestino, com colaborações variadas e trocas de informações.

No entanto, uma mudança significativa ocorreu nos primeiros dois governos do presidente Lula. Nesse período, o Oriente Médio se tornou um ponto estratégico para posicionar o Brasil como uma figura de destaque no cenário global, não apenas comercialmente, mas também como mediador diplomático. Lula e seu chanceler, Celso Amorim, incluíram capitais do Oriente Médio em suas viagens internacionais, com diplomatas brasileiros disputando postos nesses países.

Um marco importante foi a tentativa, em 2010, de mediar um acordo nuclear com o Irã, em conjunto com a Turquia. Dez anos depois, as informações sobre o tema ainda não estão totalmente disponíveis. Naquela época, o Irã negociava com os Estados Unidos um acordo complexo que envolvia a suspensão de sanções econômicas e o fornecimento de material radioativo iraniano para enriquecimento de urânio na Turquia.

O Brasil e a Turquia conseguiram convencer o Irã a aceitar o acordo, mas este foi boicotado posteriormente pela Casa Branca. Lula fez declarações fortes contra o governo dos EUA, levando as relações entre Brasília e Washington a um de seus piores momentos em décadas.

Se a diplomacia brasileira gerou debates internacionais sobre sua eficácia, no cenário doméstico, a situação se tornou ainda mais complexa. A oposição criticou abertamente a política externa do governo, com destaque para congressistas ligados a grupos neopentecostais.

O deputado e pastor Marcos Feliciano, por exemplo, criticou o Brasil por se envolver em conflitos distantes. Ele enfatizou que uma aproximação com o Irã significaria virar as costas para Israel, vista como a única democracia na região. Feliciano, que mantém seu apoio a Israel, representou um movimento inicial que logo ganharia força na política brasileira: a convergência do movimento neopentecostal com interpretações sobre o mundo.

A Transformação Religiosa e Política no Brasil

Apesar de ter uma das maiores populações católicas romanas do mundo, o Brasil testemunhou uma rápida transição religiosa. Em 1970, 92% da população se identificava como católica. No entanto, em 2010, esse número caiu para 64%.

Esse declínio no catolicismo foi acompanhado por um crescimento notável das organizações evangélicas, especialmente entre os frequentadores de igrejas pentecostais e neopentecostais. Em 2010, essas denominações já representavam mais de 22% da população brasileira.

Esse crescimento não se limitou à esfera religiosa, mas também se refletiu na política. Desde 1986, os evangélicos pentecostais buscaram consolidar sua presença na sociedade através da representação política e do acesso ao poder. Esse movimento para a política foi impulsionado pela crença de que a política precisa de uma forte moralidade pública e que as crenças, valores e símbolos religiosos devem desempenhar um papel ativo na política.

É importante notar que o universo evangélico é vasto e multifacetado, abrangendo uma variedade de denominações, crenças e práticas. Longe de ser um grupo monolítico, os evangélicos no Brasil apresentam diversidade teológica, cultural e social, refletindo a riqueza do país. Qualquer análise sobre o impacto desse grupo na sociedade brasileira deve levar em consideração suas nuances e particularidades.

A Conexão Entre Grupos Neopentecostais e Israel

A relação entre reflexões sobre Israel e o campo neopentecostal se concentra em grupos como a Igreja Catedral do Avivamento, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a Igreja Universal do Reino de Deus e outros. Essas denominações neopentecostais passaram a incorporar Israel e seus símbolos como elementos centrais de sua teologia e prática religiosa.

Para esses grupos, Israel não é apenas uma localidade geográfica, mas também uma representação espiritual e teológica que ocupa um lugar de destaque em sua cosmovisão. Essa conexão com Israel vai além do simbolismo; é manifestada em peregrinações a locais sagrados, na incorporação de símbolos judaicos em práticas litúrgicas e na adoção de rituais e festividades.

O apoio a Israel para essas denominações não é apenas uma questão de alinhamento teológico, mas também uma extensão de sua missão religiosa. A interpretação escatológica de passagens bíblicas relacionadas ao fim dos tempos e ao papel de Israel na consumação dos eventos proféticos é central para essa relação.

Dentro dessa lógica, a experiência israelense se manifesta politicamente com o apoio desses grupos a pautas caras a Tel Aviv, como a disputa com o Hamas, mas também na adoção de características consideradas tipicamente israelenses que deveriam ser adotadas pelo Brasil. Sob a perspectiva do “sionismo cristão”, advoga-se pela força militar de Israel e sua expansão territorial, fundamentada na crença de que Israel desempenha um papel central nas profecias bíblicas.

A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder intensificou o apoio dos grupos neopentecostais a Israel. Bolsonaro consolidou sua relação com Israel de várias maneiras, inclusive por meio de gestos simbólicos, como seu batismo nas águas do Rio Jordão. Estabeleceu uma relação próxima com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, indicando uma aproximação política e ideológica entre os dois líderes.

O governo Bolsonaro chegou a considerar a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump. Essa decisão demonstrou o alinhamento do Brasil com uma visão particular de Israel, enfatizando três características principais: o sionismo cristão, a proteção da religião, o militarismo da sociedade e uma economia neoliberal.

Essas características, quando observadas em conjunto, formam uma imagem de Israel que ressoa com as aspirações de certos segmentos do eleitorado brasileiro, especialmente aqueles alinhados ao governo Bolsonaro e aos grupos neopentecostais que o apoiam.

Desafios Diplomáticos de Lula

Com o retorno de Lula ao poder, o governo brasileiro enfrenta o desafio de equilibrar suas ambições diplomáticas com a realidade política interna. Lula terá que navegar não apenas pelas complexidades geopolíticas do Oriente Médio, mas também considerar o impacto de suas decisões no cenário doméstico.

As alianças e os sentimentos cultivados em relação a Israel durante o governo Bolsonaro ainda ressoam em setores significativos da população, especialmente entre os grupos neopentecostais. Qualquer movimento no cenário internacional que possa ser percebido como um desvio dessas alianças certamente terá repercussões políticas em casa.

Portanto, a diplomacia de Lula no Oriente Médio não será apenas um jogo de equilíbrio entre nações, mas também um exercício cuidadoso de gerenciamento de expectativas e sensibilidades nacionais.

Avalie este post

Deixe uma resposta