Mercado de Carbono no Brasil: Entre o Anseio de Regulação e a Luta Pela Sustentabilidade

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O “Plano de Transição Ecológica” sob o governo Lula está gerando intensos debates, sendo que a consolidação de um mercado regulado de carbono é parte fundamental dessa discussão, juntamente com medidas relacionadas à transição energética, bioeconomia e o ambicioso objetivo de eliminar o desmatamento, entre outros desafios.

Este artigo se propõe a explorar a relevância desse tema, destacando a importância da atuação dos movimentos e organizações populares na construção de uma abordagem que promova a justiça ambiental e a soberania dos povos. Desde 2007, movimentos populares, ambientalistas, indígenas, camponeses e feministas têm realizado ‘contracúpulas’ em resposta às COPs sobre o clima. Seu objetivo é denunciar o que chamam de “falsas soluções” propostas por corporações e destacar as soluções reais provenientes da resistência das comunidades em seus territórios.

Em 2012, durante a Cúpula dos Povos paralela à Rio+20, esses movimentos desempenharam um papel crucial, apresentando propostas que constituíram a base para uma mudança sistêmica. A Marcha Mundial das Mulheres desempenhou um papel ativo, enfatizando o feminismo e a necessidade de eliminar a opressão das mulheres como parte fundamental da transformação desejada.

Desde então, a aliança entre movimentos populares e organizações no Grupo Carta de Belém tem acompanhado de perto as evoluções políticas nesse campo. No entanto, compreender o mercado de carbono ainda é um desafio, e este artigo busca simplificar essa questão, destacando sua importância para as mulheres, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais e florestais.

As negociações climáticas internacionais, frequentemente lideradas por países do Norte Global e por empresas transnacionais, tendem a impor soluções que priorizam o capital, ignorando as contribuições e a soberania dos países do Sul Global. As políticas públicas resultantes dessas negociações nem sempre surgem de processos democráticos ou fortalecem a democracia nos países onde são implementadas.

Até a década de 1970, a política pública era o principal meio global de regular a emissão de poluentes, por meio de investimentos em ciência e tecnologia para desenvolver tecnologias mais sustentáveis e sistemas tributários que penalizassem os grandes poluidores. Os Estados Unidos foram pioneiros na criação dos primeiros mercados de poluição, que deram origem aos atuais mercados de créditos de carbono. No entanto, esses mercados se mostraram ineficazes na redução real das emissões de gases de efeito estufa.

No Brasil, nos últimos anos, leis e políticas começaram a considerar a existência do mercado de serviços ecossistêmicos ou de créditos de carbono em seus textos, como a Política Nacional de Mudanças Climáticas, a reformulação do Código Florestal e outros programas ambientais. Isso indica a intenção de criar instrumentos financeiros para abordar questões ambientais, com ênfase no mercado.

Em 2023, o Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), chegou à Comissão de Meio Ambiente do Senado. Este projeto passou por uma modificação significativa pela senadora Leila Barros (PDT-DF), transformando-o de um mercado em um “sistema” para o comércio de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

É importante ressaltar a diferença entre o mercado regulado e o mercado voluntário de créditos de carbono. O mercado voluntário já está em operação no país e envolve a troca de créditos de carbono entre empresas que definem suas próprias metas de emissões e precisam compensá-las quando as ultrapassam. No mercado regulado, os governos definem as metas de emissões das empresas, e o Brasil optou por um sistema misto que envolve metas de poluição para as empresas e um mercado de licenças e créditos de poluição.

Embora a regulação do nível de poluição das empresas seja positiva, o PL abre espaço para que projetos privados de extração de créditos de carbono, que frequentemente causam deslocamento e violações de direitos territoriais, participem do mercado regulado.

Além disso, o texto do PL possui brechas que podem permitir interpretações perigosas, como a falta de uma definição clara de “remoção” de gases de efeito estufa, abrindo espaço para a utilização de geoengenharia. O texto também estabelece que a titularidade dos créditos de carbono será da entidade que registrá-los, via bolsa de valores, sem garantir que as comunidades tenham direito à propriedade dos créditos gerados em seus territórios.

A sociedade civil envolvida na discussão do PL 412 não representa os movimentos sociais urbanos, rurais e das florestas. Portanto, a aprovação do mercado regulado suscita preocupações e requer um olhar crítico.

Acreditamos que medidas urgentes para combater a crise ambiental não residem no mercado de carbono, mas sim no fortalecimento das políticas de agroecologia, soberania alimentar e energética, titulação de terras indígenas e de comunidades tradicionais, e na promoção de um modelo de produção e consumo que favoreça a sustentabilidade da vida.

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