Desigualdades Socioeconômicas e Desespero nos Povos Originários
Uma pesquisa inédita conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou luz sobre uma triste realidade no Brasil: a taxa de suicídio entre os povos indígenas é mais que o dobro da média nacional. Essa análise abrangente, que avaliou dados dos últimos 20 anos em todas as regiões do país, foi publicada no The Lancet Regional Health em setembro, marcando um marco na compreensão deste problema.
A pesquisa anteriormente restrita a estudos localizados agora se estende por todo o Brasil. De acordo com Jacyra Azevedo Paiva de Araújo, pesquisadora da Fiocruz Bahia e uma das líderes do estudo, “no Brasil só existiam estudos localizados, restritos a regiões ou povos específicos”. Esta pesquisa abrangente lança uma nova luz sobre um problema que há muito tempo é uma preocupação.
Os dados, coletados a partir do sistema de informação de mortalidade entre 2000 e 2020, revelam uma taxa de suicídio de 17,57 mortes a cada 100 mil habitantes entre os povos originários, em comparação com 6,35 na população geral. A região Centro-Oeste, com destaque para o Mato Grosso do Sul, testemunhou os índices mais alarmantes. Em 2008, apenas neste estado, a taxa foi dez vezes maior que a média nacional. O grupo mais afetado é composto por jovens homens, na faixa dos 10 aos 24 anos.
Existem várias razões possíveis para essa alarmante tendência. A exclusão socioeconômica, a falta de perspectivas de emprego, o desemprego, a escassez de acesso ao tratamento em saúde mental e o consumo excessivo de álcool são todos fatores que contribuem para esse problema, diz Araújo.
O Mato Grosso do Sul se destaca como uma área com altos índices de suicídio em todos os anos analisados. A pesquisadora destaca a história de deslocamento dos povos indígenas neste estado, desde a chegada dos colonizadores portugueses, que posteriormente se tornou um grande polo agrícola e pecuário, com concentração de terras em poucas propriedades. Isso gerou conflitos entre indígenas e não indígenas, associados à baixa renda e limitado acesso à educação.
Os dados também revelam uma tendência de aumento ao longo do tempo, que contraria a tendência global de redução das taxas de suicídio. O suicídio no Brasil supera em números as mortes por acidentes de motocicleta. O psiquiatra Luiz Zoldan, coordenador de Saúde Mental do Hospital Israelita Albert Einstein, observa que é um fenômeno multifatorial que envolve desde fatores precipitantes, como lutos e desemprego, até a desigualdade econômica, que gera iniquidades no acesso aos cuidados de saúde mental e perpetua o estigma em torno deste problema.