Tensão entre Políticos e Supremos Desafia Democracias em Escala Global, Afirma Pesquisador Americano

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Enquanto no Brasil, parlamentares e membros do Supremo Tribunal Federal (STF) travam uma batalha sobre os limites do poder Legislativo em relação à mais alta corte do Judiciário, essa tensão também se desenha em diversas nações mundo afora.

México, El Salvador, Mali e Polônia são apenas alguns dos países onde esse impasse emergiu nos últimos anos, variando em intensidade. Em alguns casos, projetos oriundos do Executivo ou Legislativo buscam restringir as competências das cortes supremas ou constitucionais, enquanto em outros, juízes foram efetivamente retirados de seus cargos, alterando a composição dos tribunais. Destacaremos mais detalhes sobre esses países a seguir.

Outro caso que merece atenção é o de Israel, onde uma reforma no sistema judiciário proposta pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu causava agitação interna, antes dos ataques do grupo palestino Hamas em outubro deste ano, seguidos pela retaliação israelense.

Tom Ginsburg, renomado pesquisador americano e professor da Universidade de Chicago, tem se dedicado a monitorar o panorama judicial pelo mundo. Seu trabalho é focado em direito internacional e ele é co-diretor do projeto Comparative Constitutions, que reúne informações de constituições ao redor do globo.

Quando questionado sobre a atual vulnerabilidade das altas cortes à pressão política, Ginsburg respondeu: “Penso que sim. E esta é uma tendência preocupante.”

“Estamos testemunhando, em muitos países, políticos tentando controlar os membros dessas cortes. Isso é perigoso, porque se tivermos juízes altamente alinhados com a política, é provável que não sejam os melhores juízes em termos técnicos”, destacou Ginsburg em uma entrevista à BBC News Brasil, conduzida por videoconferência.

“Eu não sou favorável a essa tendência. Ao mesmo tempo, não acredito que os juízes devam se desviar de suas atribuições. Eles devem respeitar as exigências da lei e não impor suas preferências pessoais,” ressaltou o pesquisador, que também tem contribuições significativas para o campo da ciência política.

Ginsburg possui um doutorado em Jurisprudência e Políticas Sociais da Universidade da Califórnia em Berkeley e é autor de diversos livros, incluindo “Democracies and International Law” (2021) e “How to Save a Constitutional Democracy” (2018).

O pesquisador já esteve no Brasil e, durante a conversa com a BBC, demonstrou um entendimento aprofundado da situação no país. Aqui, o episódio mais recente da tensão entre a política e o STF é protagonizado por legisladores, seguindo anos de críticas do ex-presidente Jair Bolsonaro à corte.

Na Câmara e no Senado, vários projetos estão em tramitação, propondo medidas como a anulação de decisões do STF pelo Legislativo e a limitação do tempo de mandato dos ministros do STF, bem como das decisões individuais (monocráticas).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou aos colegas que uma proposta de emenda constitucional (PEC) que proíbe decisões monocráticas de suspender leis ou atos do Executivo ou Legislativo federal deve ser votada no plenário em novembro. O debate sobre a PEC está agendado para esta terça-feira (24/10).

Pacheco tem liderado esforços no Congresso em defesa de mudanças no STF, expressando apoio à limitação do tempo de mandato dos ministros e ao aumento da idade mínima para ingressar no STF. Durante um evento na França, ele afirmou à CNN Brasil no sábado (14/10) que não há “crise” entre os poderes, mas sim uma busca por “convergências” em relação a essas mudanças.

A pressão sobre o Legislativo se intensificou após o STF começar a julgar temas como a descriminalização do aborto e da posse de maconha, além de derrubar, em setembro, a tese do marco temporal.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, expressou “muitas ressalvas” em relação aos projetos de mudanças e afirmou que a questão dos mandatos já foi extensivamente discutida na preparação da Constituição de 1988, que estabeleceu o mandato vitalício dos ministros, embora a aposentadoria compulsória aos 75 anos tenha sido introduzida em 2015.

Barroso também mencionou novas regras internas do STF, introduzidas pela ex-ministra Rosa Weber (que se aposentou no final de setembro), que limitaram as decisões individuais e estabeleceram prazos para pedidos de vista.

Ginsburg destaca que, após um período de “judicialização da política”, o mundo agora está vivenciando uma fase de “politização da Justiça”.

“Na década de 1990, houve uma vitória para a democracia liberal, e isso incluiu o fortalecimento dos tribunais. Havia uma noção de que juízes, devido à sua formação profissional, eram essenciais para proteger os fundamentos da democracia, resguardar os direitos e tomar decisões cruciais em relação à constitucionalidade.”

“Como resultado desse período, vimos os tribunais de muitos países ampliarem seu papel na sociedade, e às vezes chamamos isso de ‘judicialização da política’: questões que normalmente eram resolvidas na esfera política e pelo povo passaram a ser decididas pelos tribunais.”

“A situação atual é a ‘politização da Justiça’. As forças políticas não estão necessariamente satisfeitas com algumas das decisões dos tribunais e desejam mais controle.”

Quando questionado se a politização da Justiça é benéfica ou prejudicial, Ginsburg brinca: “Depende de quanto você concorda com as decisões dos tribunais.”

Em seguida, ele aborda o tema de forma mais séria.

“A politização do Judiciário é algo natural. Não deveríamos encará-la como inteiramente negativa. É uma resposta natural a juízes tomando decisões significativas. Críticas às decisões fazem parte da democracia, e a judicialização da política é apenas uma fase na história democrática.”

“O problema ocorre quando uma das partes tenta sufocar completamente a capacidade dos tribunais de atuar como um contrapeso. Isso é perigoso. Um dos aspectos chave da democracia é a separação de poderes. Quando uma parte tenta controlar todos os poderes do Estado, isso é problemático.”

Ginsburg observa que a politização da Justiça é uma tendência global, mas com diferentes graus de intensidade e foco em diferentes países. E isso está longe de ser uma questão resolvida.

“Este é um problema muito sério e, infelizmente, uma questão sem uma resposta fácil. Estamos apenas começando a compreender o problema e as possíveis soluções. Isso é algo com que o Brasil terá de lidar nos próximos anos.”

O que se desenha, portanto, é um cenário complexo, onde as instituições democráticas, incluindo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, continuam a ser objeto de debate, reforma e tensões em diversos países.

Por outro lado, muitos observadores acreditam que a capacidade dos tribunais de operar com independência e integridade é essencial para manter a estabilidade e a justiça em qualquer democracia.

Em meio a esse panorama, o Brasil, assim como outras nações, enfrenta desafios significativos na preservação de suas instituições democráticas. A maneira como essas questões serão resolvidas nos próximos anos é uma incógnita, mas é uma área de extrema importância para o futuro do país.

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